segunda-feira, 27 de outubro de 2008

A matéria: a visão poética.


Num postal anterior coloquei lá este quadro sem qualquer explicação ou legendagem. Melhor, limitei-me a dizer que "Há dois tipos de partículas elementares, os fermiões e os bosões. Deixando de lado as complicações das estatísticas quânticas e simplificando: os fermiões (quarks e leptões) têm massa; Os bosões - fotão, gluão, W e Z - são portadores de força."

Acho que está na altura de o fazer e aproveito para falar dos hadrões. Ao fazê-lo vamos estar a falar de matéria, pelo menos nos termos em que esta é referida na Física Quântica como a conhecemos actualmente.

Tudo o que acontece no Universo material tem por base quatro forças: a força gravitacional, que explica a atração entre os corpos macroscópicos; a força electromagnética, interveniente ao nível da estrutura atómica; a força fraca, responsável pela desintegração radioactiva, e a força forte, que mantém a coesão dos núcleos dos átomos.

A Física quântica substituíu o termo “força” pelo termo “interacção” e descreve as interacções como troca de partículas. Os portadores destas forças são as seguintes partículas:

1. Interacção gravitacional, o gravitão.

2. Interacção electromagnética, o fotão.

3. Interacção fraca, os bosões W+, W- e Z0

4. Interacção forte, 8 gluões

A matéria é composta de leptões e quarks: Os leptões mais conhecidos são o electrão e o neutrino; a cada leptão corresponde um anti-leptão. Há seis tipos de quarks definidos pelos seus “sabores”, constituintes dos hadrões, dos quais o u e o d estão na composição do protão e do neutrão (e, por conseguinte, 6 anti-quarks):

  • u (up)
  • d (down)
  • s (strange)
  • c (charm)
  • b (bottom)
  • t (top)

Os quarks estão “aprisionados” em “gaiolas” chamadas hadrões em resultado da força forte. Os hadrões são partículas compostas (não elementares) que “sentem” a força forte. A família dos hadrões engloba:

  • os bariões (que são fermiões) constituídos por 3 quarks cada um de sua “cor”. Por exemplo, o protão, o neutrão e o anti-protão.
  • os mesões (que são bosões) constituídos por um quark e um anti-quark. Por exemplo, os piões, os mesões rho.

Tudo extraordinariamente simples mas permanecem mistérios por resolver: o que é feito da anti-matéria que deveria existir algures e que desapareceu (assimetria bariónica)? E o bosão de Higgs, existe afinal? E, se existe, será que o conseguimos encontrar? Será que os Wimps, os hipotéticos constituintes da matéria negra, não querem mesmo interagir com a matéria ordinária? O que quer dizer que o vazio está cheio de energia concentrada? Ai não? Sabias que a massa de um metro cúbico de vazio é igual à massa de 1054 galáxias?

domingo, 26 de outubro de 2008

O que é ser materialista

Sou materialista.

Estou seguro do carácter genuíno desta afirmação: acredito na minha sanidade e estabilidade mental, estou seguro de que essa é a minha convicção e sei que ela resulta de uma opção, de um acto livre e espontâneo baseado unicamente na análise lúcida da minha realidade.

Quanto ao saber o que significa “materialista” isso já é outra coisa! O significado, que urge aclarar, não tem, a princípio, uma definição rigorosa. Basta entender que “materialista” é alguém que a acredita que a realidade é constituída exclusivamente de matéria.

Torna-se o termo “materialista” mais entendível se tiver uma definição na forma negativa: então, ser “materialista” consiste em não acreditar noutra realidade que não seja constituída de matéria, por exemplo, não acreditar na alma espiritual e em puros espíritos. Definido desta forma o materialismo é a rejeição de concepções animistas e espiritualistas. Embora estas concepções estejam geralmente associadas a crenças religiosas e místicas, manifestam-se também em crenças profanas e puramente filosóficas como aquilo que ficou definitivamente consagrado na história do pensamento pela designação de Metafísica.

Em termos etimológicos, Metafísica é aquilo que se separa e se situa além da Natureza (em grego, Physis). A metafísica é, não só um estado de abstracção da natureza, da realidade física, mas também a fonte ou a raiz de um conjunto de imperativos que condicionam e coartam o comportamento e os sentimentos humanos obnubilando a cognição.

Este é um ponto muito importante para compreender o alcance do que é ser “materialista”. Dito de outro modo a afirmação poderia ser formulada dos seguintes modos:

Sou anti-metafísico. Sou naturalista.

Pelo que atrás se disse, e adiante se poderá esclarecer melhor, ser materialista é recusar categoricamente concepções baseadas ou derivadas da metafísica, considerá-las erróneas ou doentias, identificar e medir os estragos provocados em tudo o que é cultura e biologia humanas, desinfectar e extirpar todas as suas manifestações e repor a sanidade e o equilíbrio das emoções, cognições, sentimentos e comportamento humanos.

Nos meus escritos anteriores identifiquei dois vestígios ou traços da acção corrosiva da metafísica, este vírus que cancerígena a cultura humana: o dualismo e o monismo.

O dualismo consiste em pensar a realidade através de pares de termos opostos: matéria-espírito, corpo-alma, céu-terra, tempo-eternidade, bem-mal, verdadeiro-falso.

O monismo consiste em pensar a unicidade como princípio unificador, supremo e soberano, acima das disjunções enunciadas e suprimindo-as: monoteísmo, monarquia, monopólio, monogamia.

O dualismo dilacera os sentimentos humanos, bipolariza as emoções, binariza a lógica. O monismo estabelece a ordem suprema das coisas, a hierarquia dos seres e reduz o homem à condição de súbdito.

O dualismo rompe o homem ao meio e a ferida provocada por essa cesura é a culpa. A culpa denega a auto-estima, incita ao suicídio e ao desespero, promove a insensatez, gera expectativas de resgate e ilusões salvíficas, como a esperança num outro mundo, seja esse outro mundo um Além espiritual ou a utopia de um Estado sem classes.

O monismo é o princípio arrebanhador: a felicidade está em pertencer ao rebanho e em portar-se como animal de rebanho. É admitir que há uma ordem pré-estabelecida e que fora dela tudo é desordem. O Bom Pastor é o que conduz a alma tresmalhada ao rebanho.

Embora o dualismo e o monismo sejam as manifestações mais óbvias e presentes da metafísica, esta não se resume àqueles.

O materialismo, pelo contrário, é unidade e multiplicidade. A unidade, ou rejeição do dualismo, não se pode pensar sem a multiplicidade. O Uno (a “matéria”) não é o Único: É diversidade, é uma harmoniosa desordem, é acaso determinante.

O materialismo não é um estado contemplativo, é um combate. O antiteísmo (o meu antiteísmo já foi objecto de um postal de 26 de Maio p.p. no Tremontelo) é apenas uma das suas expressões. Combater a metafísica é mais do que isso: deus é apenas um sintoma da doença que ataca a humanidade. Para encontrar a cura para a humanidade é preciso conhecer os outros sintomas.

Até lá, há que viver com a nossa parte sã: preservando e gozando o pouco que resta da Natureza, cuidando dos laços que nos mantêm unidos à comunidade das pessoas, sejam estas seres humanos ou animais domésticos.

Voltarei novamente ao tema da “matéria” onde se verá o que é que tem a ver “hadrões” com ladrões...

Certamente mais do que habitualmente se pensa.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

A evolução (1)

A terra onde nasci era uma extensa seara que começava na periferia de Benfica, alargava-se por Alferragide e ia espraiar-se nas cercanias de Carnaxide, interrompida pelo Vale do Jamor e as elevações de Linda-a-Pastora e Queijas. Para além, ficava a Cruz Quebrada e o rio-mar. Em sentido perpendicular, esbarrava no Monsanto e, do lado contrário, prolongava-se pelas margens da linha de Sintra: Damaia, Venda Nova, Falagueira, Porcalhota, Mina, Queluz e uma série de outras pequenas povoações que se esfumavam num horizonte de névoa no cimo da qual se erigia o Castelo dos Mouros em Sintra. O meu bairro tinha quatro ruas e não chegava a ter cem prédios com quintal, uns com primeiro andar, outros chalés apenas. Entre as searas serpenteavam estradas muradas a pedra, as azinhagas, e no interior dessas terras amuralhadas topavam-se pequenos palmeirais indiciando a existência de poços com noras e pequenas hortas vegetais.

Com dez anos apenas, e já com o apelo da adolescência, fui andar por outras paragens do mundo, mas voltava amiúde a casa. Vi desaparecerem as searas a pouco e pouco. A pouco e pouco foi aparecendo o bairro de Santa Cruz, foi-se alargando a Damaia, desaparece a Estrada de Alferragide, apareceu a Cova da Moura, o Estrela de África, o Seis de Maio, Fontaínhas. Um emaranhado de estradas abraçou o Jumbo, o Continente, o Aki, o IKEA, a Makro, a Decatlon. A pobreza exposta, mas ensolarada, do Bairro da Boavista e das barracas que bordejavam a estrada até Algés, escondeu-se verticalizada nos sombrios bairros de realojamento.

Passados 60 anos passeio-mo naquele "espaço", mas os lugares que vejo já não são os lugares em que vivi. Os lugares onde vivi estão irremediavelmente perdidos. Tão perdidos como as espécies de que não tenho memória mas em cuja existência acredito face à evidência dos seus fósseis. Pois é tão fóssil o que está enterrado na memória como o que se esconde debaixo de várias camadas geológicas.

É diferente o testemunho de quem não deixou de viver lá: não acordaram um dia e repararam que o seu mundo estava diferente. As diferenças instalaram-se subrepticiamente no seu quotidiano, uma a uma, dia a dia, e passavam-se meses, anos e décadas sem se notar as diferenças. Sem fracturas, soluções de continuidade, rupturas, dilacerações do tecido da realidade. Entraram furtivamente, encostadas nas sombras, sem alaridos, em passo fantasma.



Isto é a evolução: vista de perto, continuidade e mudanças imperceptíveis; vista ao longe, descontinuidade e mudanças radicais. Sem necessidade de planeamento, de desígnio. Tudo obra do acaso.

Darwin estabeleceu a ocorrência da evolução ao nível das espécies vivas e propôs uma explicação plausível sobre como funciona, uma explicação naturalista. Tornou-se ipso factu o inimigo principal e objecto de ódio descarnado dos monistas.

Sugestões de leitura: pesquisar a polémica neo-darwinismo vs. creacionismo.