Com dez anos apenas, e já com o apelo da adolescência, fui andar por outras paragens do mundo, mas voltava amiúde a casa. Vi desaparecerem as searas a pouco e pouco. A pouco e pouco foi aparecendo o bairro de Santa Cruz, foi-se alargando a Damaia, desaparece a Estrada de Alferragide, apareceu a Cova da Moura, o Estrela de África, o Seis de Maio, Fontaínhas. Um emaranhado de estradas abraçou o Jumbo, o Continente, o Aki, o IKEA, a Makro, a Decatlon. A pobreza exposta, mas ensolarada, do Bairro da Boavista e das barracas que bordejavam a estrada até Algés, escondeu-se verticalizada nos sombrios bairros de realojamento.
Passados 60 anos passeio-mo naquele "espaço", mas os lugares que vejo já não são os lugares em que vivi. Os lugares onde vivi estão irremediavelmente perdidos. Tão perdidos como as espécies de que não tenho memória mas em cuja existência acredito face à evidência dos seus fósseis. Pois é tão fóssil o que está enterrado na memória como o que se esconde debaixo de várias camadas geológicas.
É diferente o testemunho de quem não deixou de viver lá: não acordaram um dia e repararam que o seu mundo estava diferente. As diferenças instalaram-se subrepticiamente no seu quotidiano, uma a uma, dia a dia, e passavam-se meses, anos e décadas sem se notar as diferenças. Sem fracturas, soluções de continuidade, rupturas, dilacerações do tecido da realidade. Entraram furtivamente, encostadas nas sombras, sem alaridos, em passo fantasma.
Isto é a evolução: vista de perto, continuidade e mudanças imperceptíveis; vista ao longe, descontinuidade e mudanças radicais. Sem necessidade de planeamento, de desígnio. Tudo obra do acaso.
Darwin estabeleceu a ocorrência da evolução ao nível das espécies vivas e propôs uma explicação plausível sobre como funciona, uma explicação naturalista. Tornou-se ipso factu o inimigo principal e objecto de ódio descarnado dos monistas.
Sugestões de leitura: pesquisar a polémica neo-darwinismo vs. creacionismo.
Sem comentários:
Enviar um comentário